Serviços
do Governo afetados num processo de privatização
Nesta
parte 3 entramos na discussão sobre os efeitos prejudiciais
à sociedade diante
de uma possível privatização dos serviços prestados pelo SERPRO e
DATAPREV.
O
Governo possui
mais de 1,7 mil serviços públicos, onde mais de 40% são totalmente
digitais. No portal serviços.gov.br estão elencados 3.273 serviços
do governo
disponíveis, destes,
47% são digitais, ou seja, 1.538
serviços para a sociedade disponibilizados pela Internet, onde o
cidadão submete as suas consultas,
reclamações,
pedidos, requerimentos, certidões, relatórios e
faz os
acompanhamentos das suas solicitações tudo
pela grande Rede
Mundial de Computadores.
São
diversos os sistemas informatizados e disponibilizados gratuitamente
pelo Governo, só em 2019 foram disponibilizados 315 novos serviços
digitalizados no modelo de autosserviço, onde o cidadão interage
diretamente com os sistemas estruturadores e obtém as informações
desejadas ou protocola e acompanha os seus processos junto ao Governo
Federal, utilizando plataformas web, inclusive com app
smartphones.
Como
são muitos os
sistemas disponibilizados
na Internet, nos
focaremos naqueles que já estão na plataforma de smartphones,
além da web. Hoje
temos disponíveis
41 app
do Governo em smartphones nas plataformas
Android
e Iphone,
que representam algumas centenas de serviços ao cidadão.
Apresentaremos
agora,
alguns
dos serviços disponibilizados em
app
para
o
smartphone
do
cidadão de forma gratuita, e que poderão ser afetados
na sua gratuidade
num processo de possível privatização.
CNH
E CRLV DIGITAIS - Informações sobre a sua CNH (Carteira
Nacional de Habilitação) e do seu CRLV (Certificado de Registro e
Licenciamento de Veículos), disponibilizados como Documentos
Digitais de Identificação legalmente aceitos para apresentação,
no app instalado no smartphone.
CTPS
DIGITAL - Documento digital para acompanhar a sua vida
laboral, com acesso a dados pessoais e aos contratos de trabalho que
estão registrados na Carteira de Trabalho e Previdência
Social(CTPS).
MEU
INSS - Consultas e emissão de extratos, informações da sua
vida laborativa, contribuições previdenciárias, períodos
trabalhados no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS),
Carta de Concessão, Declaração do Benefício (Consta/Nada Consta)
e de Regularidade do Contribuinte Individual, Revisão de Benefício,
Agendamento de perícias, Requerimentos e simulação de
aposentadoria, salário maternidade, Comunicaçoes de Acidentes de
Trabalho(CAT), dentre outros serviços.
SIgepe
Mobile
- Consulta de
informações financeiras;
cadastrais, funcionais;
salários;
férias;
contracheques e prévias;
informe de rendimentos e descontos;
simulação de
empréstimos em
margem
consignável de
servidores ativos, aposentados e pensionistas do Executivo Federal e
do GDF.
SNE
DENATRAN - O aplicativo permite que você receba notificações
de infrações de trânsito com descrição, local, foto(quando
disponível) e o auto de infração; boletos e códigos de barras
para pagamento das suas multas com até 40% de desconto.
SINESP
CIDADÃO -
Aplicativo do
Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública que permite
ao cidadão consultas sobre veículos, mandados de prisão e
desaparecidos.
Além
destes sistemas
disponíveis em app
para smartphones, temos ainda consultas web
para emissões de
CPF, CNPJ,
IRPF/IRPJ, Certidões Negativas,
dentre outros, com validação de autenticidade pela Internet,
disponibilizados como autosserviço
para o cidadão,
e que estarão comprometidos na sua gratuidade quando de uma possível
privatização de empresas como SERPRO e DATAPREV que disponibilizam
todas estas aplicações digitais para a sociedade.
Por
que os serviços gratuitos do governo podem ser atingidos por
uma privatização?
Como
um dos objetivos do governo é diminuir ou
excluir a sua participação
nas empresas públicas e de
economia mista que exploram atividades econômicas, no caso de
serviços de Tecnologia
da Informação e Comunicações
(TIC) poderemos ter reflexos
graves para o cidadão numa possível privatização e apresentarei
as razões que entendo aplicáveis.
Suponhamos
que passadas todas as fases para uma privatização que obteve sua
aprovação,
e que nesta
análise o SERPRO
e a DATAPREV
tornam-se empresas privadas administradas por terceiros,
nesta
situação, enumerarei
alguns fatos para
melhor entenderem o antes de
uma privatização e algumas
indagações do que
poderá ocorrrer depois de
uma privatização.
Adotaremos agora o encurtamento da citação SERPRO e DATAPREV para
apenas S&D.
Fato
1)
Processo de contratações
e renovações contratuais.
Atualmente:
Os contratos na administração
pública são de até 5 anos, inexistindo contratos por tempo
indeterminado, e a exigência
de processo licitatório público para contratação, com
dispensa ou inexibilidade
para alguns casos(que
podem
ser revistos),
e onde o menor preço será
sempre considerado, já que o
Governo quer reduzir a sua participação ou não mais
participar das despesas
das empresas,
mesmo que elas sejam superávitárias.
Hoje, a grande maioria - se não todos - dos contratos do SERPRO com
os seus clientes governo é de 1 ano, permitidas prorrogações e
repactuações de preços.
Depois:
O SERPRO e a DATAPREV
(S&D) sendo privatizadas
não estarão sujeitas a Lei das Estatais e algumas
de suas vantagens na
preferência exclusiva como prestadora de serviços ao governo,
como
a inexibilidade
ou dispensa de licitação,
que não poderão mais ser
aplicadas
se privatizadas forem. Sendo
empresas privadas deverão participar com outras empresas privadas de
Licitação Pública, que é uma exigência da Administração
Pública.
Problema
1: Serão
poucas as empresas a participarem destas
licitações,
e que disponham
do parque
necessário de infraestrutura de hardware, software e pessoas para
prestar serviços de informática ao governo
para
os sistemas existentes, e o
Governo se sujeitará ao que estiver disponível,
inclusive suportar os
custos e lucros maiores que uma empresa privada busca.
Problema
2: Caso
uma outra empresa vença a licitação
que não seja S&D
privatizada, não
será nada simples, barato
e rápido o repasse de todos
os serviços hoje prestados
por S&D
para uma outra ou outras
empresas.
Problema
3: Estas novas
empresas deverão ainda
exigir contratos de no mínimo 5 anos,
para serem viáveis e
tentarem
recuperar os seus investimentos num processo de transição.
Será também inviável
para o Governo ter que fazer licitação todos os anos para
contratação dos serviços de empresas privadas, pois caso uma outra
empresa vença, novamente teremos o problema
2 acentuado, com a
necessidade de uma nova transição das bases de dados de uma empresa
para outra. Como parte da
engenharia empresarial, deverão surgir
consórcios de prestadores de serviços,
para não dizer cartéis,
para terem porte para
suportar os serviços.
Assim,
a(s)
empresa(s)
que vencer(em)
esta primeira licitação,
seja S&D privatizadas ou outra(s),
com certeza manter-se-á(ão)
como definitiva(s)
prestadora(s)
de serviços de TIC ao
Governo, com sucessivas
renovações de contratos, porque será muito difícil surgirem
outras empresas que tenham
DataCenter, pessoas
e infraestrturas tecnológicas
que suportem os sistemas existentes.
Teremos então, certamente
e definitivamente,
um monopólio
ou oligopólio
de empresa(s) privada(s) de TIC prestando serviços ao
Governo,
podendo estar o S&D entre elas,
se privatizadas forem.
Fato
2)
Modelos de contratações
Atualmente:
Os contratos com o Governo
são por Ministérios, onde cada um deles tem um contrato específico
com SERPRO ou DATAPREV. São
vários contratos com vários ministérios.
Depois:
Num processo licitatório é
possível termos mais de uma empresa vencedora para diferentes
contratos e sistemas,
com diferentes valores
para diferentes ministérios e
ainda poderão necessitar de integração de sistemas
entre os ministérios.
Problema:
Como se dará a celebração
de contratos de vários sistemas distintos para diversos ministérios,
podendo ter várias
empresas prestadoras
de serviços de TIC com
diferentes políticas de preços?
Existirá
tabelamento de preços? Como
se dará a integração de
sistemas por diferentes empresas
prestadoras
de serviços? Como o Governo conseguirá disciplinar
e controlar estes
contratos e seus gastos com
estas empresas?
Há
grande possibilidade de termos licitações desertas se os preços
propostos pelo Governo não forem factíveis pelas empresas, e assim
ocorrendo, depois entra o
preço que querem.
Poderemos
ter várias empresas independentes
concorrendo (o
menos provável) ou mais
provavelmente um monopólio ou oligopólio
(cartel)
de TIC como anteriormente levantado.
Fato
3) Pagamentos
Atualmente:
É sabido que as empresas
públicas e de economia mista, tem
como
membros das suas Diretorias
Executivas e dos seus
Conselhos,
pessoas indicadas
e aprovadas
por entes do Governo.
Também é sabido que é muito
comum
o oferecimento de descontos nos preços de serviços prestados e a
prestar, que é permissivo o
elastecimento de prazo de tolerância para pagamentos em atraso
sem cessação dos serviços,
e ainda, há renegociações
de dívidas e repactuações
de preços de
modo fácil e
rápido para o Governo,
tornando-se uma
rotina a celebração de
acordos que se repetem
ano a ano, devido
principalmente as
restrições
orçamentárias/financeiras
durante as "intempéries" na
adminstração pública e nos
governos.
Depois:
Como geralmente os Diretores e Conselheiros das empresas privadas não
são indicados pelo Governo, são
essencialmente
executivos com a missão de sempre
gerar lucros e distribuir
dividendos de no mínimo 25% para os seu acionistas, mas para se
tornarem atrativas deverão
trabalhar
num percentual de 30% do lucro para dividendos,
então, como as empresas
privadas tem suas Diretorias e Conselhos independentes de indicações
do Governo, será muito difícil ou quase
impossível as renegociações
de dívidas e permissividade
para pagamentos em atraso,
bem como descontos e repactuações de preços a menor.
Estas empresa certamente
terão como cláusula contratual a cessação de serviços por
inadimplência do contratante, porque o empresariado tem compromissos
pactuados com os seus acionistas com regras rígidas que não podem
ser descumpridas.
Problema:
O Governo terá que ter um controle orçamentário/financeiro muito
rigoroso para que não ocorra a cessação de serviços por falta de
pagamento. O que ocorrerá se
o governo não conseguir
honrar os seus compromissos?
já que é uma constante o contingenciamento dos recursos na
administração pública. O
cidadão terá que conviver com serviços sendo descontinuados,
indisponíveis ou reduzidos por falta de recursos do governo?
O
que provavelmente deverá ocorrer é o Governo rever os seus
contratos e para reduzir os seus gastos terá
que liberar as empresas
privadas para cobrarem
por acesso aos sistemas do
governo,
e sendo assim,
o cidadão brasileiro é quem pagará esta
conta.
Os
governos, tanto Federal
como Estaduais
já vem fazendo isto há vários anos, e para ilustrar,
dentre muitos, citarei apenas 2 serviços onde o cidadão é quem
está pagando a conta.
Na
esfera Federal temos o Passaporte ao custo de quase 300 reais pagos
pelo cidadão, sendo um sistema do governo contratado junto ao
SERPRO, mas todo o processo de confecção do documento é feito por
empresas terceirizadas que ficam com este dinheiro, porque o Governo
não tem recursos para bancar este documento e então repassa a conta
para a sociedade, e pode piorar ainda mais se o sistema também for
transferido para empresas privadas, e aí devemos pensar num
passaporte ao valor de pelo menos 400 ou 500 reais para o cidadão.
Na
esfera Estadual,
temos a Carteira Nacional de Habilitação, onde temos um sistema
do governo desenvolvido pelo
SERPRO, mas parte da arrecadação para pagamento deste serviço é
feita pelos Governos Estaduais que também não tem recursos
suficientes, e terceiriza todo o processo de certificação
dos condutores e confecção do documento,
com custo variando entre 300
e 700 reais de acordo com o Estado.
O
problema maior é que será possível num processo licitatório
termos "porteira fechada" e o Estado apenas contrata os
serviços básicos,
e o cidadão é quem pagará todo
o resto, e aí os valores
acima citados variarão mais ainda, para maior, entre os Estados.
Fato
4)
Resultados
Atualmente:
O
SERPRO e
a DATAPREV
(S&D)
na
apuração do resultado dos
seus
exercícios,
após as
deduções
para atender a eventuais prejuízos acumulados e a provisão para
imposto de renda, destinam
ainda, no mínimo
25%, do
lucro líquido ajustado para o pagamento de dividendos
ao Tesouro Nacional,
e havendo saldo remanescente, este será destinado para pagamento de
dividendo adicional ou constituição de outras reservas de lucros.
Se
hoje temos empresas deficitárias, com certeza foram por má gestão,
porque as indicações político-partidárias estavam acima das
indicações técnicas e por competências, por isso, nós mesmos
amargamos pesados prejuízos no SERPRO.
Depois
da Lei 13303/2016, que determinou regras para indicações por
competências,
em
razão desse novo marco, a
nossa empresa com
uma nova gestão em pouco mais de 2 anos conseguimos ter o maior
lucro de toda a história do
SERPRO
e ainda
pagamos
as nossas dívidas milionárias
com
fornecedores.
Então,
não é verdade absoluta, dizer que o Governo só tem gastos com
empresas públicas e de economia mista, principalmente depois da Lei
das Estatais de 2016,
e o Governo deveria considerar este novo cenário,
principalmente de S&D.
Depois:
O
Governo deixará de arrecadar pelo menos 25% de dividendos das
estatais superavitárias e ainda ficará refém das empresas
privadas, e por consequência em curto prazo, o cidadão é quem
pagará os custos para acessos aos sistemas hoje gratuitos, porque o
Governo não terá recursos
para
pagar as empresas privadas que
trabalham com
lucros
de pelo menos 30%, que deve ser o patamar para honrar seus
compromissos com seus acionistas.
Devemos
fazer uma campanha para que a sociedade tome conhecimento de que com
a privatização das nossas empresas, ela (sociedade) passará a
pagar esta conta, e talvez ainda não tenha percebido isto, e nós
devemos também ter estratégias para esta ação para que consigamos
apoio do Congresso Nacional para evitar pelo menos a privatização,
já que a abertura de capital vejo como uma possibilidade muito forte
de acontecer e será necessariamente estratégica para amenizar esta
"sanha" de privatização de estatais que se arrasta por
vários governos, não é de hoje, mas agora está muito mais forte.
Até
os próximos capítulos.
Fortaleza,
08 de Setembro de 2019.
Mário
Evangelista da S. Neto