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domingo, 8 de setembro de 2019

O SERPRO SERÁ OU PODE SER PRIVATIZADO ? - Parte 3

Serviços do Governo afetados num processo de privatização
Nesta parte 3 entramos na discussão sobre os efeitos prejudiciais à sociedade diante de uma possível privatização dos serviços prestados pelo SERPRO e DATAPREV. O Governo possui mais de 1,7 mil serviços públicos, onde mais de 40% são totalmente digitais. No portal serviços.gov.br estão elencados 3.273 serviços do governo disponíveis, destes, 47% são digitais, ou seja, 1.538 serviços para a sociedade disponibilizados pela Internet, onde o cidadão submete as suas consultas, reclamações, pedidos, requerimentos, certidões, relatórios e faz os acompanhamentos das suas solicitações tudo pela grande Rede Mundial de Computadores.
São diversos os sistemas informatizados e disponibilizados gratuitamente pelo Governo, só em 2019 foram disponibilizados 315 novos serviços digitalizados no modelo de autosserviço, onde o cidadão interage diretamente com os sistemas estruturadores e obtém as informações desejadas ou protocola e acompanha os seus processos junto ao Governo Federal, utilizando plataformas web, inclusive com app smartphones.
Como são muitos os sistemas disponibilizados na Internet, nos focaremos naqueles que já estão na plataforma de smartphones, além da web. Hoje temos disponíveis 41 app do Governo em smartphones nas plataformas Android e Iphone, que representam algumas centenas de serviços ao cidadão. Apresentaremos agora, alguns dos serviços disponibilizados em app para o smartphone do cidadão de forma gratuita, e que poderão ser afetados na sua gratuidade num processo de possível privatização.
CNH E CRLV DIGITAIS - Informações sobre a sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e do seu CRLV (Certificado de Registro e Licenciamento de Veículos), disponibilizados como Documentos Digitais de Identificação legalmente aceitos para apresentação, no app instalado no smartphone.
CTPS DIGITAL - Documento digital para acompanhar a sua vida laboral, com acesso a dados pessoais e aos contratos de trabalho que estão registrados na Carteira de Trabalho e Previdência Social(CTPS).
MEU INSS - Consultas e emissão de extratos, informações da sua vida laborativa, contribuições previdenciárias, períodos trabalhados no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), Carta de Concessão, Declaração do Benefício (Consta/Nada Consta) e de Regularidade do Contribuinte Individual, Revisão de Benefício, Agendamento de perícias, Requerimentos e simulação de aposentadoria, salário maternidade, Comunicaçoes de Acidentes de Trabalho(CAT), dentre outros serviços.
SIgepe Mobile - Consulta de informações financeiras; cadastrais, funcionais; salários; férias; contracheques e prévias; informe de rendimentos e descontos; simulação de empréstimos em margem consignável de servidores ativos, aposentados e pensionistas do Executivo Federal e do GDF.
SNE DENATRAN - O aplicativo permite que você receba notificações de infrações de trânsito com descrição, local, foto(quando disponível) e o auto de infração; boletos e códigos de barras para pagamento das suas multas com até 40% de desconto.
SINESP CIDADÃO - Aplicativo do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública que permite ao cidadão consultas sobre veículos, mandados de prisão e desaparecidos.
Além destes sistemas disponíveis em app para smartphones, temos ainda consultas web para emissões de CPF, CNPJ, IRPF/IRPJ, Certidões Negativas, dentre outros, com validação de autenticidade pela Internet, disponibilizados como autosserviço para o cidadão, e que estarão comprometidos na sua gratuidade quando de uma possível privatização de empresas como SERPRO e DATAPREV que disponibilizam todas estas aplicações digitais para a sociedade.
Por que os serviços gratuitos do governo podem ser atingidos por uma privatização?
Como um dos objetivos do governo é diminuir ou excluir a sua participação nas empresas públicas e de economia mista que exploram atividades econômicas, no caso de serviços de Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC) poderemos ter reflexos graves para o cidadão numa possível privatização e apresentarei as razões que entendo aplicáveis.
Suponhamos que passadas todas as fases para uma privatização que obteve sua aprovação, e que nesta análise o SERPRO e a DATAPREV tornam-se empresas privadas administradas por terceiros, nesta situação, enumerarei alguns fatos para melhor entenderem o antes de uma privatização e algumas indagações do que poderá ocorrrer depois de uma privatização. Adotaremos agora o encurtamento da citação SERPRO e DATAPREV para apenas S&D.
Fato 1) Processo de contratações e renovações contratuais.
Atualmente: Os contratos na administração pública são de até 5 anos, inexistindo contratos por tempo indeterminado, e a exigência de processo licitatório público para contratação, com dispensa ou inexibilidade para alguns casos(que podem ser revistos), e onde o menor preço será sempre considerado, já que o Governo quer reduzir a sua participação ou não mais participar das despesas das empresas, mesmo que elas sejam superávitárias. Hoje, a grande maioria - se não todos - dos contratos do SERPRO com os seus clientes governo é de 1 ano, permitidas prorrogações e repactuações de preços.
Depois: O SERPRO e a DATAPREV (S&D) sendo privatizadas não estarão sujeitas a Lei das Estatais e algumas de suas vantagens na preferência exclusiva como prestadora de serviços ao governo, como a inexibilidade ou dispensa de licitação, que não poderão mais ser aplicadas se privatizadas forem. Sendo empresas privadas deverão participar com outras empresas privadas de Licitação Pública, que é uma exigência da Administração Pública.
Problema 1: Serão poucas as empresas a participarem destas licitações, e que disponham do parque necessário de infraestrutura de hardware, software e pessoas para prestar serviços de informática ao governo para os sistemas existentes, e o Governo se sujeitará ao que estiver disponível, inclusive suportar os custos e lucros maiores que uma empresa privada busca.
Problema 2: Caso uma outra empresa vença a licitação que não seja S&D privatizada, não será nada simples, barato e rápido o repasse de todos os serviços hoje prestados por S&D para uma outra ou outras empresas.
Problema 3: Estas novas empresas deverão ainda exigir contratos de no mínimo 5 anos, para serem viáveis e tentarem recuperar os seus investimentos num processo de transição. Será também inviável para o Governo ter que fazer licitação todos os anos para contratação dos serviços de empresas privadas, pois caso uma outra empresa vença, novamente teremos o problema 2 acentuado, com a necessidade de uma nova transição das bases de dados de uma empresa para outra. Como parte da engenharia empresarial, deverão surgir consórcios de prestadores de serviços, para não dizer cartéis, para terem porte para suportar os serviços.
Assim, a(s) empresa(s) que vencer(em) esta primeira licitação, seja S&D privatizadas ou outra(s), com certeza manter-se-á(ão) como definitiva(s) prestadora(s) de serviços de TIC ao Governo, com sucessivas renovações de contratos, porque será muito difícil surgirem outras empresas que tenham DataCenter, pessoas e infraestrturas tecnológicas que suportem os sistemas existentes. Teremos então, certamente e definitivamente, um monopólio ou oligopólio de empresa(s) privada(s) de TIC prestando serviços ao Governo, podendo estar o S&D entre elas, se privatizadas forem.
Fato 2) Modelos de contratações
Atualmente: Os contratos com o Governo são por Ministérios, onde cada um deles tem um contrato específico com SERPRO ou DATAPREV. São vários contratos com vários ministérios.
Depois: Num processo licitatório é possível termos mais de uma empresa vencedora para diferentes contratos e sistemas, com diferentes valores para diferentes ministérios e ainda poderão necessitar de integração de sistemas entre os ministérios.
Problema: Como se dará a celebração de contratos de vários sistemas distintos para diversos ministérios, podendo ter várias empresas prestadoras de serviços de TIC com diferentes políticas de preços? Existirá tabelamento de preços? Como se dará a integração de sistemas por diferentes empresas prestadoras de serviços? Como o Governo conseguirá disciplinar e controlar estes contratos e seus gastos com estas empresas?
Há grande possibilidade de termos licitações desertas se os preços propostos pelo Governo não forem factíveis pelas empresas, e assim ocorrendo, depois entra o preço que querem.
Poderemos ter várias empresas independentes concorrendo (o menos provável) ou mais provavelmente um monopólio ou oligopólio (cartel) de TIC como anteriormente levantado.
Fato 3) Pagamentos
Atualmente: É sabido que as empresas públicas e de economia mista, tem como membros das suas Diretorias Executivas e dos seus Conselhos, pessoas indicadas e aprovadas por entes do Governo. Também é sabido que é muito comum o oferecimento de descontos nos preços de serviços prestados e a prestar, que é permissivo o elastecimento de prazo de tolerância para pagamentos em atraso sem cessação dos serviços, e ainda, renegociações de dívidas e repactuações de preços de modo fácil e rápido para o Governo, tornando-se uma rotina a celebração de acordos que se repetem ano a ano, devido principalmente as restrições orçamentárias/financeiras durante as "intempéries" na adminstração pública e nos governos.
Depois: Como geralmente os Diretores e Conselheiros das empresas privadas não são indicados pelo Governo, são essencialmente executivos com a missão de sempre gerar lucros e distribuir dividendos de no mínimo 25% para os seu acionistas, mas para se tornarem atrativas deverão trabalhar num percentual de 30% do lucro para dividendos, então, como as empresas privadas tem suas Diretorias e Conselhos independentes de indicações do Governo, será muito difícil ou quase impossível as renegociações de dívidas e permissividade para pagamentos em atraso, bem como descontos e repactuações de preços a menor. Estas empresa certamente terão como cláusula contratual a cessação de serviços por inadimplência do contratante, porque o empresariado tem compromissos pactuados com os seus acionistas com regras rígidas que não podem ser descumpridas.
Problema: O Governo terá que ter um controle orçamentário/financeiro muito rigoroso para que não ocorra a cessação de serviços por falta de pagamento. O que ocorrerá se o governo não conseguir honrar os seus compromissos? já que é uma constante o contingenciamento dos recursos na administração pública. O cidadão terá que conviver com serviços sendo descontinuados, indisponíveis ou reduzidos por falta de recursos do governo?
O que provavelmente deverá ocorrer é o Governo rever os seus contratos e para reduzir os seus gastos terá que liberar as empresas privadas para cobrarem por acesso aos sistemas do governo, e sendo assim, o cidadão brasileiro é quem pagará esta conta.
Os governos, tanto Federal como Estaduais já vem fazendo isto há vários anos, e para ilustrar, dentre muitos, citarei apenas 2 serviços onde o cidadão é quem está pagando a conta.
Na esfera Federal temos o Passaporte ao custo de quase 300 reais pagos pelo cidadão, sendo um sistema do governo contratado junto ao SERPRO, mas todo o processo de confecção do documento é feito por empresas terceirizadas que ficam com este dinheiro, porque o Governo não tem recursos para bancar este documento e então repassa a conta para a sociedade, e pode piorar ainda mais se o sistema também for transferido para empresas privadas, e aí devemos pensar num passaporte ao valor de pelo menos 400 ou 500 reais para o cidadão.
Na esfera Estadual, temos a Carteira Nacional de Habilitação, onde temos um sistema do governo desenvolvido pelo SERPRO, mas parte da arrecadação para pagamento deste serviço é feita pelos Governos Estaduais que também não tem recursos suficientes, e terceiriza todo o processo de certificação dos condutores e confecção do documento, com custo variando entre 300 e 700 reais de acordo com o Estado.
O problema maior é que será possível num processo licitatório termos "porteira fechada" e o Estado apenas contrata os serviços básicos, e o cidadão é quem pagará todo o resto, e aí os valores acima citados variarão mais ainda, para maior, entre os Estados.
Fato 4) Resultados
Atualmente: O SERPRO e a DATAPREV (S&D) na apuração do resultado dos seus exercícios, após as deduções para atender a eventuais prejuízos acumulados e a provisão para imposto de renda, destinam ainda, no mínimo 25%, do lucro líquido ajustado para o pagamento de dividendos ao Tesouro Nacional, e havendo saldo remanescente, este será destinado para pagamento de dividendo adicional ou constituição de outras reservas de lucros.
Se hoje temos empresas deficitárias, com certeza foram por má gestão, porque as indicações político-partidárias estavam acima das indicações técnicas e por competências, por isso, nós mesmos amargamos pesados prejuízos no SERPRO. Depois da Lei 13303/2016, que determinou regras para indicações por competências, em razão desse novo marco, a nossa empresa com uma nova gestão em pouco mais de 2 anos conseguimos ter o maior lucro de toda a história do SERPRO e ainda pagamos as nossas dívidas milionárias com fornecedores.
Então, não é verdade absoluta, dizer que o Governo só tem gastos com empresas públicas e de economia mista, principalmente depois da Lei das Estatais de 2016, e o Governo deveria considerar este novo cenário, principalmente de S&D.
Depois: O Governo deixará de arrecadar pelo menos 25% de dividendos das estatais superavitárias e ainda ficará refém das empresas privadas, e por consequência em curto prazo, o cidadão é quem pagará os custos para acessos aos sistemas hoje gratuitos, porque o Governo não terá recursos para pagar as empresas privadas que trabalham com lucros de pelo menos 30%, que deve ser o patamar para honrar seus compromissos com seus acionistas.

Devemos fazer uma campanha para que a sociedade tome conhecimento de que com a privatização das nossas empresas, ela (sociedade) passará a pagar esta conta, e talvez ainda não tenha percebido isto, e nós devemos também ter estratégias para esta ação para que consigamos apoio do Congresso Nacional para evitar pelo menos a privatização, já que a abertura de capital vejo como uma possibilidade muito forte de acontecer e será necessariamente estratégica para amenizar esta "sanha" de privatização de estatais que se arrasta por vários governos, não é de hoje, mas agora está muito mais forte.

Até os próximos capítulos.

Fortaleza, 08 de Setembro de 2019.
Mário Evangelista da S. Neto