sábado, 27 de junho de 2020

Os sistemas do governo não são e nunca foram em Código Aberto! Ponto.

O SERPRO EM REVISTA – Nº 001/2020


Dando continuidade as discussões iniciadas com a publicação do artigo “O que pode estar por trás da MP 983/2020 e outra iniciativa que afetam SERPRO e DATAPREV” publicado neste blog http://serprianos.blogspot.com/, apresentaremos agora mais informações que ajudarão a entender porque foi questionada a redação do Artigo 8 do Capítulo IV da MPV 983/2020 onde afirma que os sistemas do governo são de código aberto para livre distribuição, com o que não concordamos.
Na leitura especificamente do Artigo 8, encontramos uma redação que permite termos diferentes leituras e entendimentos pela forma como as palavras estão sendo apresentadas, e com um rápido exercício podemos ter no mínimo duas interpretações divergentes, de acordo com o resultado que desejamos obter, de forma que deveria ser suprimida a redação do artigo 8.
No artigo anteriormente citado e publicado no blog, falamos “en passant” (superficialmente) sobre alguns marcos legais que fundamentaram a nossa afirmação de que o Artigo 8 da MPV 983/2020, não nos convence na sua premissa de que os sistemas do Governo são ou devam ser de Código Aberto, e sendo assim, os sistemas do governo poderão ser distribuídos e utilizados SEM restrições por qualquer um da sociedade, seja pessoa física ou jurídica, sem nenhum ônus financeiro, isto é, sem custos ou “de graça”, com acesso irrestrito aos códigos-fonte de TODOS os sistemas desenvolvidos pelo e para o Governo Federal.

 
Cabe ressaltar que não somos contra a filosofia e uso do Software Livre e de Código Aberto, muito pelo contrário, sempre defendemos a causa – inclusive o autor deste artigo – no SERPRO e DATAPREV e continuamos com o uso intensivo de soluções de código aberto, a prova disso é que muito recentemente em Abril/Maio/2020 implantamos mais uma solução de código aberto no SERPRO, customizada segundo as nossas necessidades, substituindo uma outra também de código aberto.
O que procuramos mostrar é “o outro lado da moeda” que não mostraram, e apresentar um novo olhar sobre o que está proposto no artigo 8 com sua difusa redação que pode ter pelo menos 2 interpretações, e demonstrar que a premissa de código aberto não corresponde a realidade do que está vigente em governança de TI federal a décadas em relação aos sistemas estruturantes do Governo.
Na nossa abordagem agora, apresentaremos maiores detalhes dos marcos legais que foram levemente citados no artigo supracitado publicado em 24/06/2020. Aqui acrescentaremos novas comprovações legais de que o Governo nunca definiu ou determinou seus sistemas como sendo de Código Aberto e nunca permitiu a liberação de códigos-fonte dos seus sistemas estruturantes, mesmo quando publicou dispositivos legais que poderiam fazê-lo e não o fez, o que consideramos que os agentes do Executivo e os gestores das estatais de TI da época - “neste aspecto” - agiram com muita responsabilidade. Para comprovar isto, faremos uma cronologia dos marcos legais que trataram e citaram Software Livre, Código Aberto, Código-fonte, Software Público Brasileiro e Software de Governo, e depois faremos as nossas considerações ou conclusões.
Como são muitos documentos e muito extensos, por esta razão, transcreveremos apenas trechos que sejam esclarecedores e que estejam dentro do contexto da nossa discussão.
As iniciativas de uso de Código Aberto no Governo Federal
Iniciamos apresentando o Decreto de 29/10/2003 que tinha como título:
“Institui Comitês Técnicos do Comitê Executivo do Governo Eletrônico e dá outras providências”,
onde decretava:
Art. Ficam instituídos Comitês Técnicos, no âmbito do Comitê Executivo do Governo Eletrônico, criado pelo Decreto de 18 de outubro de 2000, com a finalidade de coordenar e articular o planejamento e a implementação de projetos e ações nas respectivas áreas de competência, com as seguintes denominações:
IImplementação do Software Livre; (…)
III – Integração de Sistemas; (…)
IV Sistemas Legados e Licenças de Software;
Por este decreto, os Comitês tinham autoridade para sugerir ou implantar processos ou projetos que determinassem que os sistemas estruturantes do governo poderiam ser de código aberto com liberação do código-fonte, conforme o inciso IV acima transcrito e grifado por nós em vermelho, que tratava de licenças de software, mas isto não foi realizado, nenhuma ação foi focada nos sistemas estruturantes existentes. Este Decreto foi revogado pelo Decreto 8.638/2016.
Este decreto tem como título “Institui a Política de Governança Digital no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.” Tinha como finalidade:
Art. 2º Para os fins deste Decreto, considera-se:
(…)
IIdados em formato abertodados representados em meio digital em um formato sobre o qual nenhuma organização tenha controle exclusivo, passíveis de utilização por qualquer pessoa;
(…)
Art. 4º O planejamento e a execução de programas, projetos e processos relativos à governança digital pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão observar as seguintes diretrizes:
(…)
III – os dados serão disponibilizados em formato aberto, amplamente acessível e utilizável por pessoas e máquinas, assegurados os direitos à segurança e à privacidade;
IV – será promovido o reuso de dados pelos diferentes setores da sociedade, com o objetivo de estimular a transparência ativa de informações, prevista no art. 3º e no art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011; e
V – observadas as disposições da Lei nº 12.527, de 2011, será implementado o compartilhamento de dados entre os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, sempre que houver necessidade de simplificar a prestação de serviços à sociedade.
Parágrafo único. As soluções de tecnologia da informação e comunicação desenvolvidas ou adquiridas pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional observarão o disposto nos incisos I a V do caput deste artigo.
Percebam que a todo o momento neste decreto o foco são dados em formato aberto, compartilhamento de dados, reuso de dados de soluções desenvolvidas ou adquiridas pelo governo, e não fala da liberação ou compartilhamento de códigos-fonte ou de sistemas em código aberto, e isto não é abrangido pelo que chamam de disponibilização de dados abertos ou formatos abertos.
O decreto propõe que dados e informações sejam compartilhadas entre os órgãos da administração pública federal para atendimento ao cidadão. Os dados estariam disponíveis em formatos e extensões de arquivos que pudessem ser abertos ou lidos por qualquer aplicativo, que poderiam ser editor de textos, planilhas genéricas ou mesmo uma API que pudesse importar os dados das bases de dados e transformá-los em informações para o cidadão em diferentes formatos.
Este decreto em nenhum momento fala que os sistemas são de código aberto ou da disponibilização de código-fonte, e quando cita o compartilhamento dos dados e informações referiu-se aos órgãos da administração pública federal.
Novamente, repetimos, se o Governo considerasse os seus sistemas como sendo de código aberto e que os códigos-fonte deveriam ser distribuídos ou compartilhados sem restrições, poderia tê-lo feito por este decreto, no entanto, responsavelmente, se limitou apenas permitir o compartilhamento dos dados dos sistemas que geram as informações, e não tem nenhuma citação com relação a distribuição do código-fonte ou de que os sistemas são de código aberto. Este decreto foi revogado pelo Decreto 10.332/2020, que manteve a mesma política deste decreto ora analisado.

Título: Institui a Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal.
Este decreto é um complemento ou aprimoramento do Decreto anterior (8.638/2016) e detalhadamente explica o que são os “Dados em Formato Aberto” ou “Dados Abertos” no Poder Executivo Federal:
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Fica instituída a Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal, com os seguintes objetivos:
I – promover a publicação de dados contidos em bases de dados de órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional sob a forma de dados abertos;
(…)
III – franquear aos cidadãos o acesso, de forma aberta, aos dados produzidos ou acumulados pelo Poder Executivo federal, sobre os quais não recaia vedação expressa de acesso;
IV – facilitar o intercâmbio de dados entre órgãos e entidades da administração pública federal e as diferentes esferas da federação;
(…)
VIII – promover o compartilhamento de recursos de tecnologia da informação, de maneira a evitar a duplicidade de ações e o desperdício de recursos na disseminação de dados e informações; e
(...)

Art. 2º Para os fins deste Decreto, entende-se por:
I – dado – sequência de símbolos ou valores, representados em qualquer meio, produzidos como resultado de um processo natural ou artificial;
II – dado acessível ao público – qualquer dado gerado ou acumulado pelo Governo que não esteja sob sigilo ou sob restrição de acesso nos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011;
III – dados abertos – dados acessíveis ao público, representados em meio digital, estruturados em formato aberto, processáveis por máquina, referenciados na internet e disponibilizados sob licença aberta que permita sua livre utilização, consumo ou cruzamento, limitando-se a creditar a autoria ou a fonte;
IV – formato aberto – formato de arquivo não proprietário, cuja especificação esteja documentada publicamente e seja de livre conhecimento e implementação, livre de patentes ou qualquer outra restrição legal quanto à sua utilização; e
V – Plano de Dados Abertos – documento orientador para as ações de implementação e promoção de abertura de dados de cada órgão ou entidade da administração pública federal, obedecidos os padrões mínimos de qualidade, de forma a facilitar o entendimento e a reutilização das informações.

Art. 3º A Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal será regida pelos seguintes princípios e diretrizes:
(…)
II – garantia de acesso irrestrito às bases de dados, as quais devem ser legíveis por máquina e estar disponíveis em formato aberto;
(…)
IV – permissão irrestrita de reuso das bases de dados publicadas em formato aberto;
(...)

CAPÍTULO II – DA LIVRE UTILIZAÇÃO DE BASES DE DADOS
Art. 4º Os dados disponibilizados pelo Poder Executivo federal e as informações de transparência ativa são de livre utilização pelos Poderes Públicos e pela sociedade. (Redação dada pelo Decreto nº 9.903, de 2019).
§ 1º Fica autorizada a utilização gratuita das bases de dados e das informações disponibilizadas nos termos do disposto no inciso XIII do caput do art. 7º da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e cujo detentor de direitos autorais patrimoniais seja a União, nos termos do disposto no art. 29 da referida Lei. (Incluído pelo Decreto nº 9.903, de 2019)

CAPÍTULO III – DA GOVERNANÇA
Art. 5º A gestão da Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal será coordenada pela Controladoria-Geral da União, por meio da Infraestrutura Nacional de Dados Abertos – INDA. (Redação dada pelo Decreto nº 9.903, de 2019).
(…)
§ 1º A INDA contará com mecanismo de governança multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com caráter gerencial e normativo, na forma de regulamento.
§ 2º A implementação da Política de Dados Abertos ocorrerá por meio da execução de Plano de Dados Abertos no âmbito de cada órgão ou entidade da administração pública federal, direta, autárquica e fundacional, o qual deverá dispor, no mínimo, sobre os seguintes tópicos:
(…)
Art. 9º Os Planos de Dados Abertos dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão ser elaborados e publicados em sítio eletrônico no prazo de sessenta dias da data de publicação deste Decreto.
§ 1º Os Planos de Dados Abertos dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão priorizar a abertura dos dados de interesse público, listados no Anexo, os quais deverão ser publicados em formato aberto no prazo de cento e oitenta dias da data de publicação deste Decreto.
(…)
ANEXO
Sistema/órgão responsável
Dados de interesse público para priorização
Casa Civil da Presidência da República
Texto das publicações do Diário Oficial da União
Controladoria-Geral da União
Ocupantes de cargos de gerência e direção em empresas estatais e subsidiárias
Órgãos e entidades que não utilizam o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos - Siape
Dados relativos a servidores inativos e aposentados e relativos à empregados e servidores públicos das entidades da administração indireta que órgãos e entidades que não utilizam o Siape
Ministério da Fazenda
Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira - Siafi
Ministério da Fazenda
Informações sobre o quadro societário das empresas, a partir do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Dados relacionados ao Plano Plurianual, incluindo metas físicas.
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Dados relativos a servidores inativos e aposentados.
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Bens móveis e de patrimônio registrados no Sistema Integrado de Administração de Serviços - Siads
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Dados relacionados ao Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais - Siasg /Comprasnet.
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Dados referentes ao Portal de Convênios/Siconv.
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Informações cadastrais e relacionadas ao controle da execução de emendas parlamentares.
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Propriedades e imóveis do Governo federal.
Sistema Nacional de Informações de Registro Civil - SIRC
Dados sobre nascimentos, casamentos, divórcios e óbitos.
Este Decreto 8.777/2016 que ainda está vigente, de uma vez por todas esclarece que o Governo sempre tratou de disponibilizar apenas os dados abertos em formato aberto, e nunca se pronunciou para afirmar que os códigos-fonte deveriam ser distribuídos e nem que os sistemas estruturantes eram de código aberto. Este decreto é bem didático ao explicar o que são dados abertos, e ainda explica que as bases de dados de informações do governo estariam disponíveis para todas as esferas da federação, o que envolve governo federal, estadual e municipal, para que fossem evitados desperdícios de recursos com desenvolvimento de aplicações para ter acesso a dados e informações que já estavam disponíveis e liberadas em sistemas e bancos de dados do governo federal.
Para ficar ainda mais claro, o decreto ainda criou um anexo, acima mostrado, onde elencou todos os sistemas do governo que estavam com seus dados abertos e os tipos de informações que estavam disponíveis para serem “garimpadas” nos seus bancos de dados para quem as desejassem. Os efeitos deste Decreto são muito relevantes, de uso pleno e hoje temos diversas APIs que permitem acesso aos bancos de dados de informações que estão armazenadas no SERPRO e DATAPREV.


Esta Portaria tem como título: Dispõe sobre a disponibilização de Software Público Brasileiro e dá outras providências. Ela (a portaria) é bem detalhada e esclarecedora, e não deixa dúvidas do que seja Software Público, e NUNCA classificou os sistemas estruturantes do governo como sendo Software Público, conforme trechos extraídos para este artigo.
CAPÍTULO I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º – A disponibilização de Software Público Brasileiro e outros softwares de interesse da administração pública obedecerão ao disposto nesta Portaria.
Art. 2º – Para fins desta Portaria, considera-se:
(...)
VIIISoftware de Governo: software cujo titular dos direitos seja um órgão da Administração Pública, para o qual há necessidade de compartilhamento entre os órgãos da Administração Pública, mas que não atende a todos os requisitos necessários para que seja considerado Software Público Brasileiro;
(...)
IX Software Livre: software que adota modelo de licenciamento livre, garantindo aos seus usuários as seguintes liberdades essenciais:
a) liberdade nº 0: a liberdade para executar o programa, para qualquer propósito;
b) liberdade nº 1: a liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo para as suas necessidades, sendo o acesso ao código-fonte um pré-requisito para esta liberdade;
c) liberdade nº 2: a liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo; e
d) liberdade nº 3: a liberdade de aperfeiçoar o programa e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie, sendo o acesso ao código-fonte um pré-requisito para esta liberdade; e
XSoftware Público Brasileiro: software livre que atende às necessidades de modernização da administração pública de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e é compartilhado sem ônus no Portal do Software Público Brasileiro, resultando na economia de recursos públicos e constituindo um recurso benéfico para a administração pública e para a sociedade.
Art. 3ºA caracterização de um software livre como Software Público Brasileiro depende de sua disponibilização no Portal do Software Público Brasileiro.
Art. 4º – São requisitos para a disponibilização de software no Portal do Software Público Brasileiro:
I ser Software Livre com código fonte licenciado sob um ou mais modelos de licença livre compatíveis com GNU GPL (Licença Pública Geral), ou algum outro modelo de licença livre a ser aprovado pela Secretaria de Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – STI/MP;
II – utilização de modelo de licença livre compatível com a Creative Commons CC-BY-SA 3.0 BR, ou posterior, em relação à proteção das imagens utilizadas, documentação e demais artefatos associados ao Software Público, ou algum outro modelo de licença livre a ser aprovado pela STI/MP;
(…)
Varmazenamento da última versão estável do código-fonte e demais componentes do software no repositório oficial do Portal do Software Público;
(...)
Art. 8º – O Portal do Software Público Brasileiro é a plataforma tecnológica pública oficial para a disponibilização, compartilhamento e o desenvolvimento de Software Público Brasileiro e Projetos de Software.
Art. 9º – Todo Software Público Brasileiro deve ser disponibilizado no Portal do Software Público Brasileiro de forma gratuita, na intenção de que possa ser útil à administração pública e à sociedade.
Vejam que nesta portaria estão definidas todas as premissas para a classificação do que é um Software Público Brasileiro e um Software de Governo. Para que os sistemas estruturantes do governo fossem disponibilizados como Software Público Brasileiro teriam que ser licenciados com uma licença compatível com GPL para serem considerados como Software Livre e ter seu Código-fonte aberto para livre distribuição, o que nunca aconteceu. Mesmo tendo surgidas diversas oportunidades para que o governo assim o fizesse, não o fez, certamente porque consultaram os seus departamentos técnicos e jurídicos que devem ter dado pareceres desfavoráveis para a liberação dos códigos. Como já vimos, o compartilhamento de alguns bancos de dados é liberado, mas o código-fonte não foi liberado.
Consultando o Portal do Software Público Brasileiro (SPB), encontramos diversos sistemas disponibilizados por Universidades, ICMBio, Exército, Banco do Brasil, Comunidades, MEC, CAIXA, Min. Meio Ambiente, CONAB e muitos outros órgãos públicos federais, mas nenhum deles disponibilizou seus sistemas estruturantes de governo. Foram disponibilizados catálogos, um Catálogo Antigo (até 2019) e um novo Catálogo, onde temos algumas informações muito interessantes.
No Catálogo Antigo temos 59 sistemas disponibilizados, e nenhum deles é estruturante do Governo Federal. Identificamos alguns que foram desenvolvidos por algumas de nossas estatais de TI para seu uso interno, vejamos:
No catálogo antigo (até 2019) do Portal do Software Público Brasileiro encontramos sistemas da DATAPREV como o SGA Livre, CACIC e COCAR. Do SERPRO encontramos: SAGUI e o Demoiselle.
No catálogo novo, temos apenas 3 sistemas que são: App Coronavírus – SUS; GEPNET e o SEI, e nenhum deles estruturantes de governo.
Esta é mais uma prova inconteste que os sistemas desenvolvidos pelo SERPRO e pela DATAPREV para os clientes Governo Federal nunca foram de código aberto com códigos-fonte liberados, como quer dar a entender o Artigo 8 da MPV 983/2020.
Acreditamos que foram feitos diversos estudos na época que consideraram vários aspectos político-jurídicos e técnicos, de forma que não liberaram os códigos-fonte dos sistemas estruturantes, mesmo estando no auge da disseminação do Código Aberto e de Soluções em Software Livre no Governo Federal e em alguns governos Estaduais e Municipais. Mas agora, com uma “canetada” desejam “passar a boiada” aproveitando-se destes tempos de Coronavírus, como já dizia um certo Ministro numa reunião presidencial.
Temos alguns normativos legais mais recentes a apresentar.
Este é uma Instrução Normativa muito recente, de 2019, que vem a fortalecer a nossa convicção de que o Artigo 8 da MPV 983/2020 partiu de uma premissa não verdadeira quanto a afirmação de código aberto dos sistemas do governo.
Título: Dispõe sobre o processo de contratação de soluções de Tecnologia da Informação e ComunicaçãoTIC pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da InformaçãoSISP do Poder Executivo Federal.
()
Art. 17. A definição das responsabilidades da contratante, da contratada e do órgão gerenciador do registro de preços, quando aplicável, deverá observar:
I – a definição das obrigações da contratante contendo, pelo menos, a obrigação de:
(…)
h) prever que os direitos de propriedade intelectual e direitos autorais da solução de TIC sobre os diversos artefatos e produtos produzidos em decorrência da relação contratual, incluindo a documentação, o código-fonte de aplicações, os modelos de dados e as bases de dados, pertençam à Administração;
IIa definição das obrigações da contratada contendo, pelo menos, a obrigação de:
(…)
h) ceder os direitos de propriedade intelectual e direitos autorais da solução de TIC sobre os diversos artefatos e produtos produzidos em decorrência da relação contratual, incluindo a documentação, os modelos de dados e as bases de dados à Administração;
(…)
ANEXO – DIRETRIZES ESPECÍFICAS DE PLANEJAMENTO DA CONTRATAÇÃO
(..)
4. CONTRATAÇÃO DE INFRAESTRUTURA DE CENTRO DE DADOS, SERVIÇOS EM NUVEM, SALA-COFRE E SALA SEGURA:
4.1. Os órgãos e entidades que necessitem criar, ampliar ou renovar infraestrutura de centro de dados deverão fazê-lo por meio da contratação de serviços de computação em nuvem, salvo quando demonstrada a inviabilidade em estudo técnico preliminar da contratação.
(…)
4.3. É vedada a contratação para criação ou ampliação de salas-cofre e salas seguras, salvo nos casos em que o órgão ou entidade tenha obtido autorização prévia do Órgão Central do SISP.

Esta Instrução Normativa nº 1 de 2019 garante a preservação nas contratações e desenvolvimento de sistemas dos direitos de propriedade intelectual e direitos autorais, incluindo o código-fonte para que permaneçam pertencendo a Administração, ou seja, aos órgãos do governo no SISP. Novamente, agora nesta instrução normativa, não é feita nenhuma menção de liberação ou distribuição do código fonte dos sistemas contratados ou desenvolvidos pelo ou para o Governo Federal. No seu anexo consta também uma determinação para que sejam contratadas infraestruturas em nuvem, e não mais criar ou ampliar salas-cofre e salas seguras, onde estas existirem e não se justifiquem viáveis.

DECRETO Nº 10.332, DE 28 DE ABRIL DE 2020
Mais um importante decreto para as nossas análises, onde tem como título: “Institui a Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências”.
Essencialmente ratifica todos os decretos e instruções normativas anteriores que determinavam a disponibilização de dados abertos, dos seus bancos de dados e compartilhamentos pelo Governo Federal, incentivando a integração dos sistemas e uso de assinaturas digitais de código aberto e interoperáveis.
No seu Anexo elencou 18 objetivos a perseguir de 2020 a 2022, contendo 58 iniciativas ou ações a serem implantadas neste período. Como são muito extensas, nos focaremos somente aqueles que são objeto da nossa discussão.
Objetivo 12 – Identidade digital ao cidadão; (…)
Iniciativa 12.7. Promover a divulgação ampla de sistemas e aplicações para uso e verificação das políticas de assinatura com códigos abertos e interoperáveis;

Objetivo 13Reformulação dos canais de transparência e dados abertos:
Iniciativa 13.1. Integrar os portais de transparência, de dados abertos e de ouvidoria ao portal único gov.br, até 2020;
Iniciativa 13.2. Ampliar a quantidade de bases de dados abertos, de forma a atingir 0,68 (sessenta e oito centésimos) pontos no critério de disponibilidade de dados do índice organizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, até 2022.
Iniciativa 13.3. Melhorar a qualidade das bases de dados abertos, de forma a atingir 0,69 (sessenta e nove décimos) pontos no critério de acessibilidade de dados do índice organizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, até 2022.

Objetivo 16Otimização das infraestruturas de tecnologia da informação:(...)
Iniciativa 16.2. Ampliar o compartilhamento de soluções de software estruturantes, totalizando um novo software por ano, até 2022.
(...)
Iniciativa 16.4. Otimizar a infraestrutura de, pelo menos, trinta datacenters do Governo federal, até 2022.
Iniciativa 16.5. Migração de serviços de, pelo menos, trinta órgãos para a nuvem, até 2022.

Agora não há mais dúvidas de que está muito estranho o Artigo 8 da MPV 983/2020 na sua determinação ou afirmação em dizer que os sistemas do Governo Federal são de Código Aberto, sendo que nunca isto foi determinado nos diversos dispositivos legais que tratam de governança tecnológica digital do governo.
Conhecemos agora o Decreto nº 10.332 de 28 de Abril de 2020, que está exatamente com 2 meses da data em que estamos escrevendo este artigo documento (27/06/2020), e o único momento em que cita o termo “Código Aberto” é no seguinte trecho:
“Iniciativa 12.7. Promover a divulgação ampla de sistemas e aplicações para uso e verificação das políticas de assinatura com códigos abertos e interoperáveis;”
Este decreto ratifica as políticas de Governança de Tecnologia da Informação de outros Governos que foram definidas em vários dispositivos legais incluindo os revogados e não revogados, adotados desde 2003, onde determinavam e determinam para que os dados e os bancos de dados do governo federal fossem disponíveis e compartilhados como Dados Abertos do Governo Federal para a sociedade, e limitaram-se a isto no que se refere aos dados abertos.
O órgão que atualmente trata da Governança Digital de todo o Governo Federal é a Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, que é responsável pela Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022 conforme está neste decreto que estamos agora analisando, e o seu anexo com seus 18 Objetivos e 58 Iniciativas.
Este Decreto que tem como título: “Institui a Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências”, em nenhum momento determina ou afirma que os sistemas estruturantes do Governo Federal são de Código Aberto e nem estabelece, discute ou defende qualquer política para que os sistemas estruturantes do governo sejam de Código Aberto, a exceção dos sistemas ou aplicações que tratam de assinatura digital que não é um sistema estruturante de governo e pode ser qualquer aplicativo disponível.
Podemos seguramente afirmar que somente o Artigo 8 da MPV 983/2020 está em total desconformidade com todas as políticas de governança Digital já praticadas em outros governos e principalmente em desconformidade com a própria política de governança de TI do atual Governo e de todas as determinações legais vigentes conforme acabamos de ver. O restante dos artigos da MPV 983/2020 estão em conformidade legal, somente o artigo 8 não está em conformidade.
Entendemos que o tratamento desta questão é de Competência do nosso Legislativo Federal a quem devemos apelar junto aos nossos representantes que elegemos ou não, mas são nossos representantes, para que possam corrigir esta inconformidade legal com a política de governança digital existente.
Com o que nós temos hoje legislado em relação ao acesso às informações pela Lei de Acesso às Informações, e na disponibilização e compartilhamento de dados abertos e acesso aos bancos de dados compartilhados do governo já definidos legalmente, temos o suficiente e necessário para que sejam atendidas as principais necessidades de informações para o cidadão, para as empresas e para a sociedade. Quem falar ou defender que os sistemas do governo tem que ser em código aberto e liberado o código-fonte com a única argumentação de que só assim permitirá a população ou sociedade o acesso as informações, está mentindo descaradamente, desconhece o que está falando ou tenta propagar uma falácia das mais absurdas.
O SERPRO e a DATAPREV já desenvolveram e desenvolvem sistemas internos fazendo reuso de códigos-fonte da comunidade, e vários são utilizados nas nossas empresas e até em clientes. Mas quando falamos de sistemas estruturantes do governo cujos códigos-fonte pertencem ao Estado, independente de nossas paixões ideológicas, temos que ser honestos e ter responsabilidade técnica e agir com cidadania, orientando o governo sobre os riscos que as empresas públicas que desenvolveram os códigos e o nosso país podem ter com a liberação dos códigos-fonte dos sistemas estruturantes. Poucos conhecem os riscos envolvidos ou ainda não sabem fazer ou não fizeram uma análise com uma matriz de causa e efeito”.
O código-fonte é de utilização somente para os programadores ou desenvolvedores de sistemas e que conheçam a linguagem de programação em que foram ou serão desenvolvidos. A liberação dos códigos-fonte NADA significará para a sociedade ou população no que se refere ao acesso às informações que já estão garantidas legalmente. A liberação dos códigos-fonte só beneficiará as GRANDES empresas Internacionais, que tem desenvolvedores espalhados no mundo todo, e certamente devem ter até muito mais desenvolvedores do que o SERPRO e a DATAPREV juntas, e nenhuma empresa pública ou privada nacional terá condições de competir com estas grandes empresas internacionais de tecnologia.
É obrigação de todos nós trabalhadores em Tecnologia da Informação do Governo Federal como conhecedores do assunto e como cidadãos, chegar junto aos nossos representantes no Congresso Nacional e prestar os esclarecimentos para que coloquem esta discussão em Pauta, pois a “decretação” por uma “canetada” que os sistemas de governo são de Código Aberto, contrariando as políticas de governança digital do próprio Governo, é muito pior do qualquer discussão sobre privatização, onde há espaço para o combate e a negociação e com o Artigo 8 da MPV 983/2020 nem isso teremos, não existe espaço para nenhum tipo de negociação.
A Medida Provisória 983/2020 especificamente e somente no artigo 8, está pondo em risco a sobrevivência não somente das Empresas de TI do Governo Federal, mas todas as empresas de TI do Brasil e exterminará a Inteligência Tecnológica do nosso País, com reflexos ou atentados diretos a nossa Segurança e Soberania Nacional. Trará graves repercussões na nossa Economia e no nosso PIB, onde passaremos a ser somente um país consumidor, revendedor ou distribuidor de sistemas desenvolvidos por empresas internacionais ou multinacionais dominadas pelo capital estrangeiro, sem nenhuma chance ou poder de competição das nossas empresas nacionais, aumentando o desemprego no país e aniquilando a inteligência nacional, discussões estas que vamos aprofundar em outro artigo documento a ser publicado em breve nos próximos dias, em mais uma edição do SERPRO EM REVISTA.

Fortaleza, 27 de Junho de 2020.
Mário Evangelista da Silva Neto