O SERPRO EM REVISTA – Nº 001/2020
Dando
continuidade as discussões iniciadas com
a publicação do artigo “O
que pode estar por trás da MP 983/2020 e outra iniciativa que afetam
SERPRO e DATAPREV” publicado neste blog
http://serprianos.blogspot.com/,
apresentaremos agora mais
informações que ajudarão a entender porque
foi questionada a redação
do Artigo 8 do Capítulo IV
da MPV 983/2020
onde
afirma que os sistemas do governo são de código aberto para livre
distribuição,
com
o que não concordamos.
Na
leitura especificamente do Artigo 8, encontramos uma redação que
permite termos diferentes leituras e entendimentos pela forma como as
palavras estão sendo apresentadas, e com um rápido
exercício podemos ter no mínimo duas interpretações divergentes,
de acordo com o resultado que desejamos obter, de forma que deveria
ser suprimida a redação do artigo 8.
No
artigo anteriormente citado e publicado no blog, falamos “en
passant” (superficialmente) sobre alguns marcos legais que
fundamentaram a nossa afirmação de que o Artigo 8 da MPV 983/2020,
não nos convence na sua premissa de que os sistemas do Governo são
ou devam ser de Código Aberto, e sendo assim, os sistemas do governo
poderão ser distribuídos e utilizados SEM restrições por qualquer
um da sociedade, seja pessoa física ou jurídica, sem nenhum ônus
financeiro, isto é, sem custos ou “de graça”, com acesso
irrestrito aos códigos-fonte de TODOS os sistemas desenvolvidos pelo
e para o Governo Federal.
Cabe
ressaltar que não somos contra a filosofia e uso do Software Livre e
de Código Aberto, muito pelo contrário, sempre defendemos a
causa – inclusive o autor deste artigo – no SERPRO e DATAPREV e
continuamos com o uso intensivo de soluções de código aberto, a
prova disso é que muito recentemente em Abril/Maio/2020 implantamos
mais uma solução de código aberto no SERPRO, customizada segundo
as nossas necessidades, substituindo uma outra também de código
aberto.
O
que procuramos mostrar é “o outro lado da moeda” que não
mostraram, e apresentar um novo olhar sobre o que está proposto no
artigo 8 com sua difusa redação que pode ter pelo menos 2
interpretações, e demonstrar que a premissa de código aberto não
corresponde a realidade do que está vigente em governança de TI
federal a décadas em relação aos sistemas estruturantes do
Governo.
Na
nossa abordagem agora, apresentaremos maiores detalhes dos marcos
legais que foram levemente citados no artigo supracitado publicado em
24/06/2020. Aqui acrescentaremos novas comprovações legais de que o
Governo nunca definiu ou determinou seus sistemas como sendo de
Código Aberto e nunca permitiu a liberação de códigos-fonte dos
seus sistemas estruturantes, mesmo quando publicou dispositivos
legais que poderiam fazê-lo e não o fez, o que consideramos que os
agentes do Executivo e os gestores das estatais de TI da época -
“neste aspecto” - agiram com muita responsabilidade. Para
comprovar isto, faremos uma cronologia dos marcos legais que trataram
e citaram Software Livre, Código Aberto, Código-fonte, Software
Público Brasileiro e Software de Governo, e depois faremos as nossas
considerações ou conclusões.
Como
são muitos documentos e muito extensos, por esta razão,
transcreveremos apenas trechos que sejam esclarecedores e que estejam
dentro do contexto da nossa discussão.
As
iniciativas de uso de Código Aberto no Governo Federal
Iniciamos
apresentando
o Decreto
de 29/10/2003
que tinha como título:
“Institui Comitês Técnicos do Comitê Executivo do Governo Eletrônico e dá outras providências”, onde decretava:
“Institui Comitês Técnicos do Comitê Executivo do Governo Eletrônico e dá outras providências”, onde decretava:
Art.1º
Ficam
instituídos Comitês Técnicos, no âmbito do Comitê Executivo do
Governo Eletrônico, criado pelo Decreto
de 18 de outubro de 2000,
com a finalidade de coordenar e articular o planejamento e a
implementação de projetos e ações nas respectivas áreas de
competência, com as seguintes denominações:
I
– Implementação do Software Livre;
(…)
III
– Integração de Sistemas; (…)
IV
– Sistemas Legados e Licenças de
Software;
Por
este decreto,
os Comitês tinham autoridade
para sugerir ou implantar processos ou projetos que determinassem que
os sistemas estruturantes do
governo poderiam ser de
código aberto com liberação do código-fonte, conforme o
inciso IV acima transcrito e
grifado por nós em vermelho, que tratava de licenças de software,
mas isto não foi realizado, nenhuma ação foi focada nos sistemas
estruturantes existentes.
Este Decreto foi revogado
pelo Decreto 8.638/2016.
Este
decreto tem como título “Institui a Política de Governança
Digital no âmbito dos órgãos e das entidades da administração
pública federal direta, autárquica e fundacional.” Tinha como
finalidade:
Art.
2º Para
os fins deste Decreto, considera-se:
(…)
II
– dados em formato
aberto – dados representados em meio digital em
um formato sobre o qual nenhuma organização tenha controle
exclusivo, passíveis de utilização por qualquer pessoa;
(…)
Art.
4º O planejamento e a execução de programas, projetos e
processos relativos à governança digital pelos órgãos e pelas
entidades da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional deverão observar as seguintes diretrizes:
(…)
III
– os dados serão
disponibilizados em formato aberto,
amplamente acessível e utilizável por pessoas e máquinas,
assegurados os direitos à segurança e à privacidade;
IV
– será promovido o reuso
de dados pelos diferentes setores da sociedade, com o
objetivo de estimular a transparência ativa de informações,
prevista no art. 3º e no art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de
novembro de 2011; e
V
– observadas as disposições da Lei nº 12.527, de 2011, será
implementado o compartilhamento de dados
entre os órgãos e as entidades da administração pública federal
direta, autárquica e fundacional, sempre que houver necessidade de
simplificar a prestação de serviços à sociedade.
Parágrafo
único.
As soluções de tecnologia da informação e comunicação
desenvolvidas
ou adquiridas
pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal
direta, autárquica e fundacional observarão o disposto nos incisos
I a V do caput deste artigo.
Percebam
que a
todo o momento neste decreto o foco
são dados
em formato aberto, compartilhamento de dados, reuso de dados de
soluções desenvolvidas ou adquiridas pelo governo, e
não fala da
liberação ou compartilhamento de códigos-fonte ou
de sistemas em código aberto,
e isto não é abrangido pelo que chamam de disponibilização de
dados
abertos ou formatos
abertos.
O
decreto propõe que dados e informações sejam compartilhadas
entre os órgãos da administração pública federal para
atendimento ao cidadão. Os dados estariam disponíveis em formatos e
extensões de arquivos que pudessem ser abertos ou lidos por qualquer
aplicativo, que poderiam ser editor de textos, planilhas genéricas
ou mesmo uma API que pudesse importar os dados das bases de
dados
e transformá-los em informações para o cidadão em
diferentes formatos.
Este
decreto em nenhum momento fala que os sistemas são de código aberto
ou da disponibilização de código-fonte, e
quando
cita
o compartilhamento dos dados e informações referiu-se
aos
órgãos da administração pública federal.
Novamente,
repetimos, se o Governo considerasse
os seus sistemas como
sendo
de
código aberto e que os códigos-fonte deveriam ser distribuídos ou
compartilhados sem
restrições,
poderia
tê-lo
feito por
este
decreto, no entanto, responsavelmente, se limitou apenas permitir
o
compartilhamento
dos
dados
dos
sistemas que
geram as informações, e não tem nenhuma citação
com
relação
a distribuição
do código-fonte ou
de
que
os
sistemas
são
de código aberto. Este
decreto já
foi
revogado pelo Decreto 10.332/2020, que
manteve a mesma política deste decreto ora analisado.
Título:
Institui a Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal.
Este
decreto é um complemento ou aprimoramento do Decreto anterior
(8.638/2016) e detalhadamente explica o que são os “Dados em
Formato Aberto” ou “Dados Abertos” no Poder Executivo Federal:
DISPOSIÇÕES
GERAIS
Art.
1º Fica instituída a Política de Dados Abertos do Poder
Executivo federal, com os seguintes objetivos:
I
– promover a publicação de dados contidos em bases de dados de
órgãos e entidades da administração pública federal direta,
autárquica e fundacional sob a forma
de dados abertos;
(…)
III
– franquear aos cidadãos o acesso, de
forma aberta, aos dados produzidos ou acumulados pelo
Poder Executivo federal, sobre os quais não recaia vedação
expressa de acesso;
IV
– facilitar o intercâmbio de dados
entre órgãos e entidades da administração pública federal e as
diferentes esferas da federação;
(…)
VIII
– promover o compartilhamento de recursos de tecnologia da
informação, de maneira a evitar a duplicidade de ações e o
desperdício de recursos na disseminação
de dados e informações; e
(...)
Art.
2º Para os fins deste Decreto, entende-se por:
I
– dado – sequência de
símbolos ou valores, representados em qualquer meio, produzidos como
resultado de um processo natural ou artificial;
II
– dado acessível ao público
– qualquer dado gerado ou acumulado pelo Governo que não esteja
sob sigilo ou sob restrição de acesso nos termos da Lei nº 12.527,
de 18 de novembro de 2011;
III
– dados abertos – dados
acessíveis ao público, representados em meio digital, estruturados
em formato aberto, processáveis por máquina, referenciados na
internet e disponibilizados sob licença aberta que permita sua livre
utilização, consumo ou cruzamento, limitando-se a creditar a
autoria ou a fonte;
IV
– formato
aberto – formato
de arquivo não proprietário, cuja especificação esteja
documentada publicamente e seja de livre conhecimento e
implementação, livre de patentes ou qualquer outra restrição
legal quanto à sua utilização; e
V
– Plano
de Dados Abertos – documento orientador para as ações
de implementação e promoção de abertura de dados de cada órgão
ou entidade da administração pública federal, obedecidos os
padrões mínimos de qualidade, de forma a facilitar o entendimento e
a reutilização das informações.
Art.
3º A Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal será
regida pelos seguintes princípios e diretrizes:
(…)
II
– garantia de acesso irrestrito às bases
de dados, as quais devem ser legíveis por máquina e
estar disponíveis em formato aberto;
(…)
IV
– permissão irrestrita
de reuso das bases de dados publicadas em formato
aberto;
(...)
CAPÍTULO
II – DA LIVRE UTILIZAÇÃO DE BASES DE DADOS
Art.
4º Os dados disponibilizados pelo Poder Executivo federal
e as informações de transparência ativa são
de livre utilização pelos Poderes Públicos e pela sociedade.
(Redação dada pelo Decreto nº 9.903, de 2019).
§
1º Fica autorizada a utilização gratuita
das bases de dados e das informações disponibilizadas
nos termos do disposto no inciso XIII do caput do art. 7º da Lei nº
9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e cujo detentor de direitos
autorais patrimoniais seja a União, nos termos do disposto no art.
29 da referida Lei. (Incluído pelo Decreto nº 9.903, de 2019)
CAPÍTULO
III – DA GOVERNANÇA
Art.
5º A gestão da Política de Dados
Abertos do Poder Executivo
federal será coordenada pela
Controladoria-Geral da União, por meio da
Infraestrutura Nacional de Dados
Abertos – INDA. (Redação dada pelo Decreto nº 9.903,
de 2019).
(…)
§
1º A INDA contará com mecanismo de governança
multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com
caráter gerencial e normativo, na forma de
regulamento.
§
2º A implementação da Política de
Dados Abertos ocorrerá por meio da execução de Plano de
Dados Abertos no âmbito de cada órgão ou entidade da administração
pública federal, direta, autárquica e fundacional, o qual deverá
dispor, no mínimo, sobre os seguintes tópicos:
(…)
Art.
9º Os Planos de Dados Abertos
dos órgãos e das entidades da administração pública federal
direta, autárquica e fundacional deverão ser elaborados e
publicados em sítio eletrônico
no prazo de sessenta dias da data de publicação deste Decreto.
§
1º Os Planos de Dados Abertos dos órgãos e das entidades da
administração pública federal direta, autárquica e fundacional
deverão priorizar a abertura dos dados de
interesse público, listados no Anexo, os quais deverão
ser publicados em formato aberto
no prazo de cento e oitenta dias da data de publicação deste
Decreto.
(…)
ANEXO
Sistema/órgão
responsável
|
Dados
de interesse público para priorização
|
Casa
Civil da Presidência da República
|
Texto
das publicações do Diário Oficial da União
|
Controladoria-Geral
da União
|
Ocupantes
de cargos de gerência e direção em empresas estatais e
subsidiárias
|
Órgãos
e entidades que não utilizam o Sistema Integrado de
Administração de Recursos Humanos - Siape
|
Dados
relativos a servidores inativos e aposentados e relativos à
empregados e servidores públicos das entidades da administração
indireta que órgãos e entidades que não utilizam o Siape
|
Ministério
da Fazenda
|
Dados
do Sistema Integrado de Administração Financeira - Siafi
|
Ministério
da Fazenda
|
Informações
sobre o quadro societário das empresas, a partir do Cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas
|
Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão
|
Dados
relacionados ao Plano Plurianual, incluindo metas físicas.
|
Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão
|
Dados
relativos a servidores inativos e aposentados.
|
Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão
|
Bens
móveis e de patrimônio registrados no Sistema Integrado de
Administração de Serviços - Siads
|
Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão
|
Dados
relacionados ao Sistema Integrado de Administração de Serviços
Gerais - Siasg /Comprasnet.
|
Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão
|
Dados
referentes ao Portal de Convênios/Siconv.
|
Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão
|
Informações
cadastrais e relacionadas ao controle da execução de emendas
parlamentares.
|
Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão
|
Propriedades
e imóveis do Governo federal.
|
Sistema
Nacional de Informações de Registro Civil - SIRC
|
Dados
sobre nascimentos, casamentos, divórcios e óbitos.
|
Este
Decreto 8.777/2016 que ainda está vigente, de uma vez
por todas esclarece que o Governo sempre tratou de disponibilizar
apenas os dados abertos em formato aberto, e nunca se
pronunciou para afirmar que os códigos-fonte deveriam ser
distribuídos e nem que os sistemas estruturantes eram de código
aberto. Este decreto é bem didático ao explicar o que são dados
abertos, e ainda explica que as bases de dados de informações do
governo estariam disponíveis para todas as esferas da federação, o
que envolve governo federal, estadual e municipal, para que fossem
evitados desperdícios de recursos com desenvolvimento de aplicações
para ter acesso a dados e informações que já estavam disponíveis
e liberadas em sistemas e bancos de dados do governo federal.
Para
ficar ainda mais claro, o decreto ainda criou um anexo, acima
mostrado, onde elencou todos os sistemas do governo que estavam com
seus dados abertos e os tipos de informações que estavam
disponíveis para serem “garimpadas” nos seus bancos de dados
para quem as desejassem. Os efeitos deste Decreto são muito
relevantes, de uso pleno e hoje temos diversas APIs que permitem
acesso aos bancos de dados de informações que estão armazenadas no
SERPRO e DATAPREV.
Esta
Portaria
tem como título: Dispõe sobre a disponibilização de Software
Público Brasileiro e dá outras providências. Ela
(a portaria)
é bem
detalhada e esclarecedora,
e não deixa dúvidas do que seja Software Público, e NUNCA
classificou os sistemas estruturantes do governo como sendo Software
Público, conforme trechos extraídos para este artigo.
CAPÍTULO
I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art.
1º – A disponibilização de Software Público Brasileiro e
outros softwares de interesse da administração pública obedecerão
ao disposto nesta Portaria.
Art.
2º – Para fins desta Portaria, considera-se:
(...)
VIII
– Software de Governo: software
cujo titular dos direitos seja um órgão da Administração Pública,
para o qual há necessidade de compartilhamento entre os órgãos da
Administração Pública, mas que não atende a todos os
requisitos necessários para que seja considerado Software Público
Brasileiro;
(...)
IX
– Software Livre: software
que adota modelo de licenciamento livre, garantindo aos seus usuários
as seguintes liberdades essenciais:
a)
liberdade nº 0: a liberdade para executar o programa, para qualquer
propósito;
b)
liberdade nº 1: a liberdade de estudar como o programa funciona e
adaptá-lo para as suas necessidades, sendo o acesso ao código-fonte
um pré-requisito para esta liberdade;
c)
liberdade nº 2: a liberdade de redistribuir cópias de modo que você
possa ajudar ao seu próximo; e
d)
liberdade nº 3: a liberdade de aperfeiçoar o programa e liberar os
seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie,
sendo o acesso ao código-fonte um pré-requisito para esta
liberdade; e
X
– Software Público Brasileiro:
software livre que atende às necessidades de modernização da
administração pública de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e é compartilhado sem
ônus no Portal do Software Público Brasileiro, resultando na
economia de recursos públicos e constituindo um recurso benéfico
para a administração pública e para a sociedade.
Art.
3º – A caracterização de um software livre como
Software Público Brasileiro depende de sua
disponibilização no Portal do Software Público
Brasileiro.
Art.
4º – São requisitos para a disponibilização de software no
Portal do Software Público Brasileiro:
I
– ser Software Livre com código fonte
licenciado sob um ou mais modelos de licença livre
compatíveis com GNU GPL (Licença Pública Geral), ou algum
outro modelo de licença livre a ser aprovado pela Secretaria
de Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão – STI/MP;
II
– utilização de modelo de licença livre compatível
com a Creative Commons CC-BY-SA 3.0 BR, ou posterior, em
relação à proteção das imagens utilizadas, documentação e
demais artefatos associados ao Software Público, ou algum outro
modelo de licença livre a ser aprovado pela STI/MP;
(…)
V
– armazenamento da última versão estável do código-fonte
e demais componentes do software no repositório
oficial do Portal do Software Público;
(...)
Art.
8º – O Portal do Software Público Brasileiro é a plataforma
tecnológica pública oficial para a disponibilização,
compartilhamento e o desenvolvimento de Software Público Brasileiro
e Projetos de Software.
Art.
9º – Todo Software Público Brasileiro deve ser
disponibilizado no Portal do Software Público Brasileiro de forma
gratuita, na intenção de que possa ser útil à administração
pública e à sociedade.
Vejam
que nesta portaria estão definidas todas as premissas para a
classificação do que é um Software Público Brasileiro e um
Software de Governo. Para que os sistemas estruturantes do governo
fossem disponibilizados como Software Público Brasileiro teriam que
ser licenciados com uma licença compatível com GPL para serem
considerados como Software Livre e ter seu Código-fonte aberto para
livre distribuição, o que nunca aconteceu. Mesmo tendo surgidas
diversas oportunidades para que o governo assim o fizesse, não o
fez, certamente porque consultaram os seus departamentos técnicos e
jurídicos que devem ter dado pareceres desfavoráveis para a
liberação dos códigos. Como já vimos, o compartilhamento de
alguns bancos de dados é liberado, mas o código-fonte não foi
liberado.
Consultando
o Portal
do Software Público Brasileiro (SPB), encontramos diversos
sistemas disponibilizados
por Universidades, ICMBio,
Exército,
Banco
do Brasil,
Comunidades,
MEC, CAIXA, Min. Meio Ambiente, CONAB
e muitos outros órgãos públicos
federais,
mas nenhum deles
disponibilizou
seus sistemas estruturantes de
governo. Foram
disponibilizados
catálogos,
um
Catálogo Antigo (até 2019) e um novo Catálogo, onde temos algumas
informações
muito interessantes.
No
Catálogo Antigo temos 59 sistemas disponibilizados, e nenhum deles é
estruturante do Governo Federal. Identificamos alguns que foram
desenvolvidos por algumas de nossas estatais de TI para seu uso
interno, vejamos:
No
catálogo antigo (até 2019) do Portal do Software Público
Brasileiro encontramos sistemas da DATAPREV como o SGA Livre, CACIC e
COCAR. Do SERPRO encontramos: SAGUI e o Demoiselle.
No
catálogo novo, temos apenas 3 sistemas que são: App Coronavírus –
SUS; GEPNET e o SEI, e nenhum deles estruturantes de governo.
Esta
é mais uma prova inconteste que os sistemas desenvolvidos pelo
SERPRO e pela DATAPREV para os clientes Governo Federal nunca foram
de código aberto com códigos-fonte liberados, como quer dar a
entender o Artigo 8 da MPV 983/2020.
Acreditamos
que foram feitos diversos estudos na época que consideraram vários
aspectos político-jurídicos e técnicos, de forma que não liberaram os
códigos-fonte dos sistemas estruturantes, mesmo estando no auge da
disseminação do Código Aberto e de Soluções em Software Livre no
Governo Federal e em alguns governos Estaduais e Municipais. Mas
agora, com uma “canetada” desejam “passar a boiada”
aproveitando-se destes tempos de Coronavírus, como já dizia um certo Ministro numa
reunião presidencial.
Temos
alguns normativos legais mais recentes a apresentar.
Este
é uma Instrução Normativa muito recente, de 2019, que vem a
fortalecer a nossa convicção de que o Artigo 8 da MPV 983/2020
partiu de uma premissa não verdadeira quanto a afirmação de código
aberto dos sistemas do governo.
Título:
Dispõe
sobre o processo de contratação de soluções de Tecnologia da
Informação e Comunicação
– TIC
pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Administração
dos Recursos de Tecnologia da Informação
– SISP
do Poder Executivo Federal.
(…)
Art.
17.
A definição das responsabilidades da contratante, da contratada e
do órgão gerenciador do registro de preços, quando aplicável,
deverá observar:
I
– a definição das obrigações da contratante contendo, pelo
menos, a obrigação de:
(…)
h)
prever que os direitos de propriedade
intelectual e direitos autorais da solução de TIC sobre
os diversos artefatos e produtos produzidos em decorrência da
relação contratual, incluindo a documentação, o
código-fonte de aplicações, os modelos de dados e as
bases de dados, pertençam à Administração;
II
– a definição das obrigações da contratada contendo, pelo
menos, a obrigação de:
(…)
h)
ceder os direitos de propriedade intelectual
e direitos autorais da solução de TIC sobre os diversos
artefatos e produtos produzidos em decorrência da relação
contratual, incluindo a documentação, os modelos de dados e as
bases de dados à Administração;
(…)
ANEXO
– DIRETRIZES ESPECÍFICAS DE PLANEJAMENTO DA CONTRATAÇÃO
(..)
4.
CONTRATAÇÃO DE INFRAESTRUTURA DE CENTRO DE DADOS, SERVIÇOS EM
NUVEM, SALA-COFRE E SALA SEGURA:
4.1.
Os órgãos e entidades que necessitem criar, ampliar ou renovar
infraestrutura de centro de dados deverão fazê-lo por meio da
contratação de serviços de computação
em nuvem, salvo quando demonstrada a inviabilidade em
estudo técnico preliminar da contratação.
(…)
4.3.
É vedada a contratação para
criação ou ampliação de salas-cofre e salas seguras,
salvo nos casos em que o órgão ou entidade tenha obtido autorização
prévia do Órgão Central do SISP.
Esta
Instrução Normativa nº
1 de
2019 garante
a preservação
nas contratações e desenvolvimento de sistemas dos
direitos de propriedade intelectual e direitos autorais, incluindo o
código-fonte para que permaneçam
pertencendo
a Administração, ou seja, aos
órgãos
do
governo no
SISP. Novamente,
agora
nesta instrução normativa,
não é feita
nenhuma menção de liberação ou distribuição do código fonte
dos sistemas contratados ou desenvolvidos pelo ou para o Governo
Federal. No
seu
anexo consta
também uma
determinação
para que sejam contratadas infraestruturas em nuvem, e não mais
criar ou ampliar salas-cofre e salas
seguras, onde estas existirem e
não se justifiquem viáveis.
DECRETO Nº 10.332, DE 28 DE ABRIL DE 2020
Mais
um importante decreto
para
as nossas análises, onde tem como título: “Institui a Estratégia
de Governo Digital para o período de 2020
a 2022,
no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública
federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências”.
Essencialmente
ratifica todos os decretos e instruções normativas anteriores que
determinavam a disponibilização de dados abertos, dos seus bancos
de dados e compartilhamentos pelo Governo Federal, incentivando a
integração dos sistemas e
uso de assinaturas digitais de código aberto e
interoperáveis.
No
seu Anexo elencou 18
objetivos a perseguir de 2020
a 2022,
contendo 58
iniciativas
ou
ações
a serem implantadas
neste período. Como são muito extensas, nos
focaremos
somente aqueles que são objeto da
nossa discussão.
Objetivo
12
– Identidade digital ao cidadão; (…)
Iniciativa
12.7.
Promover a divulgação ampla de sistemas e aplicações para uso e
verificação das políticas
de assinatura com códigos abertos
e interoperáveis;
Objetivo
13
– Reformulação
dos canais de transparência e dados
abertos:
Iniciativa
13.1.
Integrar os portais de transparência, de
dados abertos
e de ouvidoria ao portal único gov.br, até 2020;
Iniciativa
13.2.
Ampliar a quantidade de bases
de dados abertos,
de forma a atingir 0,68 (sessenta e oito centésimos) pontos no
critério de disponibilidade de dados do índice organizado pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, até
2022.
Iniciativa
13.3.
Melhorar a qualidade das bases
de dados abertos,
de forma a atingir 0,69 (sessenta e nove décimos) pontos no
critério de acessibilidade de dados do índice organizado pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, até
2022.
Objetivo
16
– Otimização
das infraestruturas de tecnologia da informação:(...)
Iniciativa
16.2. Ampliar o compartilhamento de soluções de software
estruturantes, totalizando um novo software por ano, até 2022.
(...)
Iniciativa
16.4. Otimizar a infraestrutura de, pelo menos,
trinta datacenters do Governo federal, até 2022.
Iniciativa
16.5. Migração de serviços de, pelo menos, trinta órgãos
para a nuvem, até 2022.
Agora
não há mais dúvidas de que está muito estranho o Artigo 8 da MPV
983/2020 na sua determinação ou afirmação em dizer que os
sistemas do Governo Federal são de Código Aberto, sendo que nunca
isto foi determinado nos diversos dispositivos legais que tratam de
governança tecnológica digital do governo.
Conhecemos
agora o Decreto nº 10.332 de 28 de Abril de 2020, que está
exatamente com 2 meses da data em que estamos escrevendo este artigo
documento (27/06/2020), e o único momento em que cita o termo
“Código Aberto” é no seguinte trecho:
“Iniciativa
12.7. Promover a divulgação ampla de sistemas e aplicações para
uso e verificação das políticas de assinatura com códigos
abertos e interoperáveis;”
Este
decreto ratifica as políticas de Governança de Tecnologia da
Informação de outros Governos que foram definidas em vários
dispositivos legais incluindo os revogados e não revogados, adotados
desde 2003, onde determinavam e determinam para que os dados e os
bancos de dados do governo federal fossem disponíveis e
compartilhados como Dados Abertos do Governo Federal para a
sociedade, e limitaram-se a isto no que se refere aos dados abertos.
O
órgão que atualmente trata da Governança Digital de todo o Governo
Federal é a Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de
Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da
Economia, que é responsável pela Estratégia de Governo Digital
para o período de 2020 a 2022 conforme está neste decreto que
estamos agora analisando, e o seu anexo com seus 18 Objetivos e 58
Iniciativas.
Este
Decreto que tem como título: “Institui a Estratégia de Governo
Digital para o período de 2020 a 2022, no âmbito dos órgãos e das
entidades da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional e dá outras providências”, em nenhum momento
determina ou afirma que os sistemas estruturantes do Governo Federal
são de Código Aberto e nem estabelece, discute ou defende qualquer
política para que os sistemas estruturantes do governo sejam de
Código Aberto, a exceção dos sistemas ou aplicações que tratam
de assinatura digital que não é um sistema estruturante de governo
e pode ser qualquer aplicativo disponível.
Podemos
seguramente afirmar que somente o Artigo 8 da MPV 983/2020 está em
total desconformidade com todas as políticas de governança Digital
já praticadas em outros governos e principalmente em desconformidade
com a própria política de governança de TI do atual Governo e de todas as
determinações legais vigentes conforme acabamos de ver. O restante
dos artigos da MPV 983/2020 estão em conformidade legal, somente o
artigo 8 não está em conformidade.
Entendemos
que o tratamento desta questão é de Competência do nosso
Legislativo Federal a quem devemos apelar junto aos nossos
representantes que elegemos ou não, mas são nossos representantes,
para que possam corrigir esta inconformidade legal com a política de
governança digital existente.
Com
o que nós temos hoje legislado em relação ao acesso às
informações pela Lei de Acesso às Informações, e na
disponibilização e compartilhamento de dados abertos e acesso aos
bancos de dados compartilhados do governo já definidos legalmente,
temos o suficiente e necessário para que sejam atendidas as
principais necessidades de informações para o cidadão, para as
empresas e para a sociedade. Quem falar ou defender que os sistemas do
governo tem que ser em código aberto e liberado o código-fonte com
a única argumentação de que só assim permitirá a
população ou sociedade o acesso as informações, está mentindo
descaradamente, desconhece o que está falando ou tenta propagar uma
falácia das mais absurdas.
O
SERPRO e a DATAPREV já desenvolveram e desenvolvem sistemas
internos fazendo reuso de códigos-fonte da comunidade, e
vários são utilizados nas nossas empresas e até em clientes. Mas
quando falamos de sistemas estruturantes do governo cujos
códigos-fonte pertencem ao Estado, independente de nossas paixões
ideológicas, temos que ser honestos e ter responsabilidade técnica
e agir com cidadania, orientando o governo sobre os riscos que as
empresas públicas que desenvolveram os códigos e o nosso país
podem ter com a liberação dos códigos-fonte dos sistemas
estruturantes. Poucos conhecem os riscos envolvidos ou ainda não
sabem fazer ou não fizeram uma análise com uma matriz de “causa
e efeito”.
O
código-fonte é de utilização somente para os programadores ou
desenvolvedores de sistemas e que conheçam a linguagem de
programação em que foram ou serão desenvolvidos. A liberação dos
códigos-fonte NADA significará para a sociedade ou população
no que se refere ao acesso às informações que já estão
garantidas legalmente. A liberação dos códigos-fonte só
beneficiará as GRANDES empresas Internacionais, que tem
desenvolvedores espalhados no mundo todo, e certamente devem ter até
muito mais desenvolvedores do que o SERPRO e a DATAPREV juntas, e
nenhuma empresa pública ou privada nacional terá condições de
competir com estas grandes empresas internacionais de tecnologia.
É
obrigação de todos nós trabalhadores em Tecnologia da Informação
do Governo Federal como conhecedores do assunto e como cidadãos,
chegar junto aos nossos representantes no Congresso Nacional e
prestar os esclarecimentos para que coloquem esta discussão em
Pauta, pois a “decretação” por uma “canetada” que os
sistemas de governo são de Código Aberto, contrariando as políticas
de governança digital do próprio Governo, é muito pior do qualquer
discussão sobre privatização, onde há espaço para o combate e a
negociação e com o Artigo 8 da MPV 983/2020 nem isso teremos, não
existe espaço para nenhum tipo de negociação.
A
Medida Provisória 983/2020 especificamente e somente no artigo 8,
está pondo em risco a sobrevivência não somente das Empresas de TI
do Governo Federal, mas todas as empresas de TI do Brasil e
exterminará a Inteligência Tecnológica do nosso País, com
reflexos ou atentados diretos a nossa Segurança e Soberania
Nacional. Trará graves repercussões na nossa Economia e no nosso
PIB, onde passaremos a ser somente um país consumidor, revendedor ou distribuidor de
sistemas desenvolvidos por empresas internacionais ou multinacionais
dominadas pelo capital estrangeiro, sem nenhuma chance ou poder de
competição das nossas empresas nacionais, aumentando o desemprego
no país e aniquilando a inteligência nacional, discussões estas
que vamos aprofundar em outro artigo documento a ser publicado em
breve nos próximos dias, em mais uma edição do SERPRO EM REVISTA.
Fortaleza,
27
de Junho
de 2020.
Mário
Evangelista da Silva Neto